ATL 2017

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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Agroecologia e resistência das economias indígenas

 
   
O que poderia parecer apenas mais um curso de formação a se realizar no Centro de Formação Vicente Canhas, em Luziânia acabou se tornou um momento de retomada de uma das dimensões fundamentais do Cimi nesses mais de 45 anos de existência:  a sustentabilidade e soberania alimentar dos povos indígenas em seus territórios
Partindo da constatação de que esse é um dos calcanhares de aquiles dos povos indígenas de gravíssimas consequência  nesse momento do enfrentamento e ferocidade do agronegócio. Durante 5 dias buscamos aprofundar essa realidade e traçar estratégias de apoio aos povos indígenas em sua caminhada de construção de autonomia, autodeterminação.

O avanço avassalador do agronegócio sobre os territórios indígenas e os recursos naturais neles existentes, atualiza na atual conjuntura do país a tese dos governos da ditadura civil militar há poucas décadas: um Brasil sem índios, com a total liberação dos territórios indígenas para o latifúndio e agronegócio.  Porém a resistência e união dos povos nativos conseguiu  não apenas reverter esse processo,  mas possibilitou, ao revés, um extraordinário crescimento populacional, organizativos e participante da luta dos movimentos sociais para a construção de um novo projeto para o país, com o reconhecimento de mais de 300 povos indígenas com quase um milhão de pessoas. Um país plural, socialmente justo, em que o mais importante é o bem viver de seus povos.

Resistência e  insurgência dos povos nativos, originários


Nos últimos anos os povos indígenas bem como os pobres do campo e as populações e povos tradicionais mantiveram permanente enfrentamento com o regime desenvolvimentista imposto e contrário aos direitos constitucionais dos povos indígenas. Em outubro deste ano estarão sendo celebrados os 30 anos de existência da Carta Magna do pais. Serão também 25 anos de descumprimento da Constituição, particularmente o que determina que o Estado brasileiro demarcasse todas as terras indígenas. Vergonhosamente não apenas faltam demarcar quase a metade das terras indígenas, bem como as já demarcadas estão a grande maioria invadidas e sob a pressão feroz e permanente do agronegócio, das madeireiras, das mineradoras e setores militares.

Graças à permanente  mobilização dos povos conseguiram impedir a retirada dos direitos da Constituição, mas também formaram um amplo processo de alianças, desde as realidades e lutas da aldeia até encontros com personalidades mundiais, como foi o recente encontro com o Papa Francisco, em Puerto Maldonado e a participação expressiva no Encontro Nacional das CBBs – Comunidades Eclesiais de Base) que está se realizando em Londrina.
É a insurgência contra essa política de ataque aos direitos indígenas e a exigência do cumprimento da Constituição e garantia dos direitos.
Os sistemas agroecológicos,  agroflorestais e economias indígenas são importantes armas nesse enfrentamento
No enfrentamento com os interesses anti-indígenas  será preciso muita união e sabedoria, disposição e persistência.

Experimentos e visitas

O encontro também procurou desenvolver o conhecimento através de experimentos, visitas, questionamentos, debates

José Zarate, engenheiro agrônomo que trabalha na Fundação Metropolitana, Colômbia, trouxe
 informações e exemplos práticos que muito nos ajudaram na construção de linhas de ação políticas e práticas para a implementação de sistemas agroecológicos e agroflorestais na nossa atuação  junto aos povos indígenas.
José insistiu na importância de se ter um plano de vida, individual ou comunitário, para se poder avançar em nossas intenções de consolidar e implantar sistemas agroecológicos.  Algumas sugestões ficaram evidentes, como aumentar o intercambio de sementes e experiências; que o espaço do Centro de Formação do Cimi seja um lugar para visualizar e estimular as práticas alternativas, visando a  superação do modelo de produção capitalista,   constituir um banco de sementes no CFVC


Egon Heck
Cimi,  Secretariado
Brasília, 23 janeiro 2018
Fotos Laila Menezes


sábado, 6 de janeiro de 2018

Para que o mundo não acabe

A reza e a forte emoção

Atanásio é um dos maiores rezadores Kaiowá Guarani na atualidade, no Mato Grosso do Sul.
A Aty Guasu estava animada com fortes debates, naquele início de dezembro de 2017. Repentinamente se iniciou uma movimentação em torno do Nahanderu. Assim foi registrada pela liderança Arnaldo:



“Atanásio começou a rezar uma reza forte invocando os entes sagrados para acabar com o mundo. Entrou em transe e suou muito. Por sorte seu Jorge chegou chorando e pediu que Atanásio não acabasse a reza ainda. Que tivesse fé. Atanásio estava em transe e não conseguia mais parar enquanto cada Kaiowá e Guarani sentia um aperto em seu coração e ninguém conseguia fazer nada, apenas chorar pelo fim do mundo, mas Jorge teve força e impediu Atanásio de continuar. Quase morremos todos.

Atanásio então pediu calma e ensinou uma outra reza que serve como antídoto para a reza dele para que quando os espíritos o conduzam para acabar com o mundo outros rezadores possam intervir”.

Atanásio falou também sobre o território: “ Temos reza para amenizar a dor e as feridas espirituais. O pai (pa’i kuara) e nosso grande Deus vão nos ajudar. Meu pai me ensinou para fazer o bem para os Guarani e Kaiowá. Mas os brancos não. Muitas vezes temos muita misericórdia dos brancos e os brancos nunca tiveram de nós. Para que os jovens, crianças, possam seguir os caminhos de antes, ajudar o povo e saber lutar contra o branco é preciso perguntar aos mais velhos como são as coisas em nossa cultura”.



Não poderia deixar   passar esse final de 2017 e início de 2018 sem deixar esse registro que muito realisticamente expressa a luta, a resistência e a força dos Kaiowá Guarani. É nesse contexto de profunda espiritualidade e sabedoria que passos lentos, mas seguros, vão sendo dados por esse povo, especialmente na conquista de suas terras, no retorno a seus tekohá (terras tradicionais).
No decorrer do ano que acaba, várias delegações desse povo estiveram em Brasília denunciando as violências que estavam sofrendo pelos interesses políticos e econômicos da região.

Porém, nada os demove ou intimida nessa firme determinação de continuar lutando por seus direitos, particularmente por seus territórios sagrados, fonte e base de suas vidas conforme sua cultura.
Apesar do decreto de morte e genocídio em curso, eles lentamente vão conseguindo pequenas vitórias, que oxigenam sua determinação de conquista de seus direitos. No final do ano, a decisão da Justiça Federal, 3ª Região, suspendendo a reintegração de posse do tekohá Bakurity, no município de Dourados, foi muito importante.


Uma delegação veio a Brasília exigir agilidade na demarcação das terras, dando continuidade nos processos já em andamento e constituindo Grupos de Trabalho para identificar as terras ainda sem providência, como Ceroi e Takuaju Laranjal nos municípios de Jardim e Guia Lopes da Laguna.



Nos últimos anos, vem se consolidando o processo de organização e resistência, destacando-se a Aty Guasu (Grande Assembleia) com participação ampla das aldeias/comunidades, além das Aty Guasu das mulheres e dos jovens. Além disso, os professores indígenas já têm um grande acúmulo de luta e organização.
Que os mártires dessas lutas nas últimas décadas continuem dando força e êxito às lutas desse heroico e resistente povo e a todos os povos indígenas do Brasil.

Povos indígenas 2017: sob o fogo cruzado do Estado

Os últimos anos têm sido talvez dos mais violentos, ameaçadores e genocidas desse último meio século. Talvez nunca os Três Poderes estiveram tão articulados em suas inciativas contra os direitos dos povos indígenas, do que nesses últimos quatro anos. E nada indica que seja diferente nesse novo ano que se inicia.

Se por um lado é possível prever um cenário de fogo cruzado, de muita violência, também é verdade que esse quadro aterrorizante tem gerado um promissor movimento de união e articulação dos povos indígenas e um crescimento expressivo dos apoios e novos aliados, dentro e fora do país.
Acreditamos que a força dos encantados, dos deuses e dos espíritos dos guerreiros garantirão mais um ano de vitórias da vida e do Brasil justo e plural pelo qual todos estamos lutando.


 Pode o mundo não acabar, porém só com a união e os valores e sabedoria dos povos originários do mundo será possível que a esperança de um mundo melhor para todos possa avançar. Caso contrário, a crescente destruição da natureza irá sim inviabilizar a continuidade da vida no planeta terra.


Egon Heck
Cimi, Secretariado nacional

Brasília, 1 de janeiro de 2018