Quando deixaram suas aldeias, no
norte de Minas Gerais, talvez não tivessem a exata noção de tudo o que iriam
passar aqui em Brasília. Particularmente os jovens guerreiros e guerreiras que
eram a maioria da delegação.
Vieram com pauta específica:
denunciar as violências e ameaças constantes, especialmente os Xakriabá de
Cocos, na Bahia. Vieram também exigir da Funai a urgente regularização de suas
terras, em processos emperrados há anos. Também tinham consciência da grave
situação e riscos que correm os direitos indígenas, num Congresso mais
conservador e reacionário do que nunca dantes nesse país. Vieram dar
visibilidade a essa situação, e dizer em alto e bom tom que “direitos não se
negociam, não se abre mão”, são sagrados e seu cumprimento é vital para a
sobrevivência dos povos nativos em nosso país.
Agenda política e étnica
A delegação dos indígenas
Xakriabá participou de uma intensa agenda conjuntural, ou seja, a semana em que
se poderia haver, ou não, mudanças na Presidência do país. Os ânimos exaltados,
as iras e os ódios espalharam-se no país de norte a sul, de leste a oeste. Criou-se
uma grande expectativa em torno do desfecho da votação do impedimento da
presidente Dilma, na Câmara dos Deputados.
Em torno desse fato, se
estabeleceu forte mobilização e embate. Os indígenas ergueram suas bandeiras e
faixas, juntamente com os povos e comunidades tradicionais e movimentos
sociais. Ao dizerem não ao golpe, lembraram que a PEC 215 também é golpe. Matopiba
também mata. Que golpes das elites no poder contra os direitos indígenas,
praticamente começaram com o primeiro carregamento de pau brasil, nas naus
portuguesas. Infelizmente os governos das últimas décadas também não se
dignaram a cumprir a Constituição de 1988 ou o Estatuto do Índio de 1973, pois
essa legislação exigia do Estado brasileiro, o reconhecimento e demarcação dos
territórios indígenas, dentre outros direitos fundamentais.
Com ou sem bordunas
Tiveram alguns momentos em que
foi necessário tomar decisões, a partir de seus direitos. Entenderam os
guerreiros, por exemplo, de que, caso a polícia os abordassem, esta não
poderiam proibi-los de portar ou tomar suas bordunas. Apesar de ter sido
lembrado que isso já aconteceu em outros momentos, eles foram tranquilos, mas
decididos a não abrir mão de suas bordunas. Tudo correu tranquilamente. Até no
espaço onde falou o ex-presidente Lula e outras lideranças de movimentos
sociais, lá estiveram eles com suas bordunas. Só acabaram impedidos de entrar
no espaço das manifestações na Esplanada dos Ministérios.
Símbolo de resistência e de seus rituais,
as bordunas estiveram com eles durante toda a semana. Foi uma semana em que as
bordunas falaram, inspiraram os guerreiros, ouviram os encantados.
A violência no campo
Dentre os vários momentos
formativos no Acampamento Brasil Popular, com várias falas sobre a gravidade do
momento, também estiveram presentes no lançamento do Relatório de Violência no
Campo, dados de 2015, articulado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ouviram
com atenção as estatísticas das violências e assassinatos de trabalhadores no
campo. O geógrafo Ariovaldo Umbelino detalhou os dados decorrentes do não
reconhecimento das terras indígenas e de sérios problemas de grilagem em terras
na Amazônia. Afirmou que “a barbárie voltou ao campo brasileiro”.
O alerta para a esperança
Ao acompanharem a votação do
processo de impeachment, puderam sentir as motivações personalistas e raivosas,
num espaço em que não estão representados. Apenas foram lembrados por alguns
aliados da causa indígena.
Apesar de todo o clima de
acirrada disputa e tensões, a delegação Xakriabá partiu para suas aldeias na
madrugada desta segunda-feira. Levam em sua bagagem imagens de uma disputa
política histórica, que para eles, que vieram lutar por seus direitos, pelos
direitos dos povos indígenas no Brasil, não se esgota neste momento. As lutas
dos povos nativos têm raízes e razões muito aquém e muito além desse momento de
disputa de poder.
Texto e fotos : Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasília, 19 de abril, do dia do
índio!