Dificilmente a questão indígena não será contemplada na
agitação dessa semana em Brasília. O que estamos presenciando é uma forte
disputa de poder e não de modelo de governo e Estado. E isso decididamente não
faz parte da pauta de lutas pelos direitos indígenas. Na melhor das hipóteses
devemos marcar presença contra possíveis retrocessos e retirada de direitos
constitucionais de minorias como os povos e comunidades tradicionais.
Nos 44 anos de militância junto aos povos indígenas, da
maioria das regiões do país, a convicção que em mim amadureceu é a de que de
fato não existe espaço de sobrevivência e dignidade para os povos indígenas no
atual modelo neoliberal. E isso em toda nossa Ameríndia e certamente no mundo
inteiro. Os povos nativos estão empenhados em contribuir com sua sabedoria
milenar e projetos concretos de sociedade, para salvar nossa casa comum, o
planeta terra.
Nos últimos 12 governos do PT, desde a ditadura militar
civil, de 1964, seguida de regimes autoritários de imposição de modelos
desenvolvimentistas, em nenhum momento se viu sequer a disposição de cumprir a lei
que estabeleceu direitos indígenas, como o Estatuto do Índio, de 1973, da
Constituição Federal de 1988 e da legislação internacional, como a Convenção
169 da OIT e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, da ONU. A prova
mais cabal é a não demarcação e respeito das terras/territórios indígenas.
Se de um lado e outro da linha imaginária da disputa
estiverem povos nativos originários, certamente não será para se somar aos
gritos de “Impedimento já” ou “Golpe não”, mas será para lembrar aos dois lados
de que os povos da secular resistência apontam para além da disputa do poder,
lutam por modelos de Bem Viver, reconhecimento da plurinacionalidade de nossos
países, para a democracia das aldeias, do consenso, do poder como serviço e não
fonte de violência e corrupção.
“Alea jacta est” (a
sorte está lançada).
Haverá disputa ferrenha no parlamento, nas ruas, na mídia.
Acusações recíprocas cruzarão os céus como flechas incendiárias. É lamentável
que tanta energia seja jogada ao léu, quando poderia ser canalizada para
transformações profundas, urgentes e radicais, necessárias neste momento de
nossa história. É lastimável que se estimule o ódio, a discriminação, o
preconceito, em nome de escusos privilégios ou alienadas expectativas
imediatistas e consumistas. É hora de termos além de consciência política,
grandeza de espírito e coração generoso. É nessa direção que vai a contribuição
dos povos nativos e seus aliados neste país.
Estamos em pleno abril indígena. Costumeiramente é o momento
de mostrar ao país e ao mundo as violações dos direitos indígenas, as suas
lutas e seus sonhos. O sonho de um país plural, que respeite e valorize os
diferentes, os valores e sabedorias seculares, onde reine a justiça e seja
banida a corrupção e violência.
Nossa América Latina já tem dado passos importantes em
direção à construção de modelos de governos e Estados que deem conta das
importantes realidades, da diversidade sócio cultural e das relações e direitos
da Mãe Terra, a natureza tão violentamente maltratada e celeremente destruída.
Um país passado a limpo. Refundar o país. Essas têm sido atitudes corajosas de nossos
irmãos em países do continente. Quem sabe essa bandeira possa mobilizar milhões
de brasileiros que estejam dispostos a forjar uma nova história, construir o
Brasil de nossos sonhos.
Que os espíritos guerreiros e os encantados nos acompanhem
para além dessa semana.
Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasília, 11 de abril de 2016.